segunda-feira, dezembro 04, 2006

Stabat Mater dolorosa

Sentado numa antiga igreja, fria e sem culto. Em frente, o espaço delimitado por cartão que forra as paredes e cria um lugar insólito. Uma esquina vermelha, iluminada, corta o deserto visual de um cenário ténue, morto.
À esquerda, os bancos destinados à oração enfileirados; em cima caixas de cartão cheias de roupa.
Escurece. Ela está ali, em pé, mão apoiada nas costas do banco. Uma sombra imóvel.

Começa.

1. "Estava a Mãe dolorosa
Junto da Cruz, lacrimosa,
Da qual pendia o seu Filho.
Banhada em pranto amoroso,
Neste transe doloroso,
A dor lhe rasgava o peito."

Uma mulher fala. Está entre os bancos de igreja. Ora em pé, ora sentada. E dali não sai. Parece confusa, fala com alguém, connosco, com todos. Discute, pragueja e ironiza.

Um solilóquio do desespero, de revolta, de aflição, do sofrimento, da esperança comprometida a um destino fatal : a perda do filho.
Vejo-a e parece aquelas mulheres de bairro com o futuro repetidindo miséria, aquelas da paragem do autocarro que maldizem o dia logo pela manhã. Todas em destino igual de sofrimento, intercedendo pelos filhos como quem pede por pão num largo.
Esta é uma Maria de toda parte e de todos tempos, é mãe. Não pode salvar o seu filho. Terá de se resignar, fazer o luto. Haverá outra maneira?
.
2. " Oh, mãe, fonte de amor,
faz-me sentir toda a sua dor
para que eu chore contigo."
.
E assim foi.
A mulher saiu do canto em que esteve todo tempo. Saiu à chuva conformada com a morte do filho.
Escurece de novo. Sinto o consolo do fim.
Veio a actriz. Não a reconheci, era outra. Também Maria. Irrepreensível no seu agradecimento elegante. Só e à vista de todos, parecia envergonhada. Pedimos que voltasse ; e ela voltou. E mais uma vez. E ainda outra.
Parei. Vi o seu silêncio submetido ao fervor das palmas.
Naquele momento poderia ter saudado: Ave Maria, gratia plena.

STABAT MATER de Antonio Tarantino
Encenação Jorge Silva Melo